quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Lentes

bifocais, progressivas e reduzidas. Caixas de olhares tremidos e desfocados. Mentes tremidas que nem mão no inverno, que gela a mente, que gela o nariz, que concentra toda a energia numa única haste que se encosta à pele e a faz entrar em erupção. Truques de luz, talvez, o que faz sorrir as multidões, truques de luz, concerteza, o que descai os cantos em prantos do que terão visto noutras épocas, noutros tempos, noutras modas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Opus maiorum

Sem cal nem desfeita. Sem argamassa nem correcção de prumo. Sem olhar para trás nem muito menos confiar no futuro. Graníticas as edificações memoráveis. Terríficas as histórias que se esgueiram pelo cancioneiro. Populares os caminhos escavados que mergulham sob as lendas. Famosas as mensagem escritas na superfície lítica, descrições de outros nomes, outros poderes, outros cinzeis. Sejamos cruéis.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Visões

Ofuscantes e esplêndidas, em contra luz de quem espera ver resolvida na miríade incandescente um olhar vincado pelo percurso, um desdizer sorrido, uma nota de reconhecmento. Do bolso arreado de mantimentos se puxa um pouco de sombra sobre os olhos, que reguardam melhor as feições de quem passa e por nós procura. Um indício de... nominação.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

bancos de cozinha e enfarinhados


- Ó avó, que é um Galhadrapo?
- ... vá, deixa-te disso e volta-te para a frente, não deixes essa massa assentar.
- Mas o que é? O que é um Galhadrapo avó?
- As coisas que tu inventas. Onde ouvistes isso?
- Foi o Manuel Faustino que disse! Estávamos a brincar e... e assim, olha avó... e ele disse que quando era pequenino que tinha, que tinha um, u-u- um Galhadrapo!
- Não faças isso à massa, filho! e esse menino Manuel tinha mais era que te enfiar uma dessas na cabeça
-Mas ele tinha, 'vó! Quando era bébé, ele tinha!
- E a mãe dele, deixa estar...
-Mas ele, ele tinha um. Ó 'vó, o que é um Galhadrapo?
- A mãe dele, no seu tempo, também inventava com cada coisa.
- O que é um Galhadrapo, 'vó?
- Viagem a França, foi... pois claro, não havia de ser!
- Ó 'vó? 'vó!
- Diz, filho.
- Quando é que a mãe chega?
- Deve estar aí a chegar.
- E... e quando a mãe chegar vamos lanchar, vamos 'vó? Vamos lanchar?
- Sim. Mas o que andas a fazer a essa massa, filho?
- É um Galhadrapo, 'vó.
- Ó filho, só cá me faltava mais esta... vai-se queimar nas pontas...
- Mas são os dedos.
- Vão-se queimar.
- Mas ele precisa de dedos...
- Precisa agora de dedos, esse teu bicho.
- Não é um bicho, é um Galhadrapo.
- Pois sim, filho... mas tira-lhe os dedos para o levarmos ao forno.
- Ó 'vó...
- Não se fala de boca cheia.
- Ó avó?
- Diz, filhote.
- O que é um Galhadrapo?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Futurismos


são memórias que projectamos nas agendas em dias trocados

domingo, 19 de outubro de 2008

the show has only begun


And now, we are proud to resent... our very own... freshly squeezed... feature presentation of the day....!

sábado, 18 de outubro de 2008

nem por menos


Por mais que eu queira ou não queira, salta-me a voz para intriga. Por mais que eu ouça ou não ouça quem fala é ela, por mais que eu diga. Por mais que eu peça ou não peça, esta voz, que não me deixa pergunta sempre tresloucada, eu já te dei razão de queixa?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Perguntas pertinentes

Sempre, deste lado da mesa, nunca, desse. Perguntas nos olhos, mãos na testa, em suspiro, preso nos lábios com a pergunta que nunca se pode colocar. Quem está em avaliação premente, quem sugere uma solução convenientemente estudada, quem se lembra do que viu em passos de outrora e em caminhos esquecidos de tão contornados? Sempre assim foi, nunca mudaria. Não agora, pelos menos, não agora e sobretudo não de repente. Nos desertos macios e suaves, descritos e enumerados colocaremos o pé no socalco reconhecido. O que nos impede sempre de nunca sair desse trilho? O que nos relembra que aqueles olhares são de facto os mesmos que, pertencentes a outros olhos, marcaram os nossos nessa distorção que tanto nos marcou o ombro. Pendura sempre em negação absoluta.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Conversas de Alzheimer XII


-Mas afinal, era um pássaro ou um avião?!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Pelo Norte...

Ninguém é vizinho de Ninguém. São irmãos que não se falam.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Deduções em mistério zeloso

Seduções em cuidado precário. O preçário para um trejeito abolido mantém-se amarrotado no fundo do bolso de um casaco pendurado. Um cachecol que abafa a voz, prontifica-se a uso indiscreto, um lenço de conturbação aplicada espreita pelo colarinho de uma camisa decotada. Sem vistas nem malabarismos, sem saltos nem tropelias. Um terrível sussurro das costas de uma cadeira de família empolgada, uma tensão de estaticismo impresso no alfinete de lapela rasgada. Sorrisos escondidos, enlaces de pernas em meias brancas. Uma paz sibiliante de confissões temerosas, de interjeições particulares, de dedilhações contorcidas e enrugadas. Se levantares o queixo percebo melhor o que dizes, pode se isso mesmo que tento evitar.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O do canto


Canta menos, talvez, mas não por cantar lhe falecer. Desconhece somente o valor de um canto aberto, pelo canto omisso tanto compreender. São palavras mudas, as que não diz, compreensões ocultas, as que não lhe escapam. São gemidos sem tremor sem uma imagem de terror. Horas consentidas num sonambulismo irrequieto, tempos perdidos na irreflexão de momentos em paz. É canário que cala quem mais perguntas suscita, padre temerário de um fôlego que não habita. Naquela voz. Sem sopro nem medida. Contida num mar de represálias pendentes, no fustigar de chibatas em polvorosa. Das que não se vêm marcadas na pele. Das que se sentem em pena.

domingo, 12 de outubro de 2008

Verdes olhos

Mãos azuis. Exangues de gestos que perderam pelo caminho. Contava-te a história do lenço de carpideira que levantou vôo na leveza de tanto uso. Contava-te a serenidade encontrada na testa de um infante que ainda não perdera a vontade de dormir. Contava-te as rugas que ganhaste nos cantos dos olhos de tanto esperares que chegasse. Contava-te tudo. As vezes que corro mais depressa por trazer cores nos pés. Os dias que engulo sapos, bestas e lagartos mesmo sabendo que lhes faço alergia. Os cafés de promessas de estudos que nunca conseguirão passar a primeira página sob a ponta destes dedos. O cabelo que vais perder nas mãos desse temido tempo. O terreno que se intrometerá na existência divina. Os botões do teu casaco de fecho. O colarinho das minhas perguntas.

sábado, 11 de outubro de 2008

No sopé de uma ideia

Os telhados, de rosto adoçado por esse sol divino de uma estação que se deixou ficar para trás, tentada a fezer-se desapercebida, com a certeza de quem veste umas sandálias em pleno Outono. Seguros de si, correm a cidade pé ante pá, não fossem os inquilinos dar pelo seu ribombar, entre o cheiro a fritos e gritos frios colinas abaixo. São escurecidos pela malícia de um sorriso as convida a bailar e depois se esconde antes da música acabar, sem oferecer um copo de vinho que seja. Sorvem caldo em paus de canela demolhados, fazem longos discursos pela taquicardia lunar. São poucos os que os ouvem, menos os que os vêem saltar, que se escondem e baixam sobre paredes pintadas menos sortidas. São desplicentes pelo vento de levante, que traz a sombra pálida de uma careta que nunca os conseguiu fazer sorrir. Estão demasiado bêbados para a ver. Nunca voltam ao mesmo leito, nunca sobrevoam a mesma casa. trazem consigo as novas mágoas de uma brincadeira demasiado ingénua. Saltam memórias de viagens antigas, sobre calhas que não ganhavam pó. Sobre relva que não se quebrava sob o seu passo, de águas que nunca foram mais limpas. Saltam corridas, pelas colinas, pelas vielas mais enganadoras, pelos becos e pelas avenidas. Saltam postes de iluminação e sebes desencantadas, saltam canteiros sem voz e nem mesmo a calçada lhes prende os pés. São loucos, desenfreados e incontornáveis. E sabem-no demasiado bem.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Bloupar tibit Shkitin

Fein ta cun te bit somaranit. Cinquit persan muderco poun. Shta voun. Sha toun. Shtein maculeni maculeat von treu bon te quin to miter. Padare mon, te quen vit bare. Padare non mei tenfare qui malerae boun. Chincare veil, man it ciri bambarre quinto cerei ten y bolt. Shquin. Padar. Padare toun.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Cantigas de escárnio


Maldicência de medo empregnada. Estagnada em momentos de irradiação escorbácea. Sebáceas as adjectivações denicrentes. Desdicentes os verbos empregues. Emberbes as vozes que rasgam as cordas. Mortas as consistências e os trejeitos praticáveis. Impossíveis as situações descritas. Interditas entredentes escarlate e carmim.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sussurros


Descritos em terna manigância. Gritos contidos em fores de cerejeira. Terminal a marroquinaria que me segura o cabelo. Irrequietas as mãos que perderam o sino...
Jarbas, já não vens?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

outros por este

A elegância perdeu-se... foi comprar tabaco.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

cismas nocturnas

Na palma de uma mão deixei toda a minha confiança. Deixei que inspecionassem a minha ternura. Abandonei a toda a minha calma no rolar de um olhar. Pousei devagar as minhas intenções na borda de uns dedos entrelaçados. Coloquei toda a minha cautela no roçar de uma pestana. Deixei que me atassem os pés com fios desse cabelo. Deixei que me amordaçassem a respiração no rastejar de um queixo. Deixei que me deixassem caír com toda a força que nunca imaginei ter e partisse o nariz em grandes bocados. Deixei de me reconhecer ao espelho. Deixei de olhar apenas em frente. Deixei de usar essa pele antes que ma rasgassem. Porque deixei que me deixassem entregue a mais ninguém.

domingo, 5 de outubro de 2008

preciosismos de primeira apanha

São incontornáveis os aspectos precisos referentes a um conceito plenamente distinto de um raciocínio caracteristicamente complexo e interventivo, que dependa de uma série de comparações delicadas e metamorfoses incisivas, sob a clara intencionalidade de confirmar uma acepção cognitivamente ambígua conquanto irrepreensível.

sábado, 4 de outubro de 2008

Devaneios comuns


- Soube trocá-las, desta vez.
- Mas umas novas pelas que tinha?
- Sim, trocou-as.
- Sem...
- Sem grandes complicações, não, correu tudo bem...
- ...relativamente...
- ...pois. Mas agora está bem, já nem olha tanto pela janela--
- Isso é bom
- Sim
- Bom sinal
- ... pois, mas fixou-se, não sei, não sei bem porquê...
- Fixarem-se é normal...
- Pois, mas este novo fascínio pelas mãos, não sei, é estranho..
- Fixarem-se é normal...
- Mas assim? Tanto?
- Sim, é normal. Podem por vezes ganhar alguma consciência, parecem olhar em volta e fixam os olhos nos que os rodeiam
- Ele fez isso hoje
- ... sim, mas não tire nada daí. Eles não vêem nada, realmente...
- Nada...
- Sim, não olham, de facto. Não nos vêem.
- Mas então...
- Somo sombras, para eles nada é na verdade real, não estamos mesmo cá para eles.
- ...
- Somo ainda menos reais que os fantasmas que lhes passam à frente dos olhos.
- Não estamos cá, então.
- Não.
- Nunca?
- Sim, nunca. E não vamos voltar a estar.
- Nunca?...
- Raramente voltam.
- ...
- É triste
- Realmente
-Realmente triste, sim.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

dos píncaros do reconhecimento

Do alto de umas solas de borracha, vê-se o bairro de uma nova dimensão. Esta gente, que não nos viu crescer, agora assume que conhece perfeitamente essa pessoa que as cumprimenta com uma palavra aprendida e bem colocada. São correctas a postura e o tom de voz, estão minimamente alinhados os cabelos num penteado da década corrente. Evitam-se as desgraças elaboradamente esquecidas de caninos alheios, perdem-se horas a escutar as de corpos gastos e surpreendentemente rendidos à gravidade de uma vidinha de banco de cozinha e agulhas de crochet à sombra de uma cortininha de meia-haste. De dentro de paredes de cabedal, soltam-se lampejos e assobios pouco abafados dirigidos a contornos recentemente com novo bambolear. São dementes os retorcidos nas mangas, nervosos os dedos que seguram a alsa da mala. Recorrente o pavimento que se desenrola debaixo de umas solas de borracha que vêem o bairro de uma nova dimensão.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Petittes Mouches

De dentro de caixas, de entre o pó, sob a costura de papel e cola de memórias descalças, dedilham-se pequenos números expelidos para os cantos de sua gigantesca propriedade. Estão estarrecidos, os pobres, de terem perdido seu lar por direito. Há muito que não vêem seus vizinhos, seus irmão de armas. Nem o movimento de pulso lhe safa a vista, que de vez a vez alguém lhes faz a folha.
São pequenos, os indefesos, submissos na sua missão de não existirs. Pouco custam ao olhar desmistificante, surpreendente apenas o lugar que deixam por preencher. Perdem terreno a olhos visto e nem por isso têm lugar cativo, que de manifestação silenciosa em agrupamentos soltos, ressaltam na colocação e perdem estatuto continuamente.
São pequenos, esses seres de canto mudo, turvas as mudanças de estação a cada passagem de tempo recorrente. Vincam-se caminhos fugazes, relidos ciclicamente e com a mesma desventura que outros olhares anteriores mas não menos antigos.
São pequenos, enegrecidos por natureza, sujos por descontinuidade.
São pequenos, os petizes, ignorados por uma intensa e desgasta familiaridade.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Estirador, tirante...

Soltam-se as trevas, lançam-se os trevos ao chão molhado. De festa e papelinhos de cores se fazem as vozes, de gritos os rugidos de um bêbado bamboleando na estrada brilhante. São doces os bafos trilhando caminhos passados, atravessados de linhas traçadas no chão numa côr que nem a noite apaga, nem a festa ofusca, nem os passos tapam. São doidos os que se escondem atrás de estores cerrados, não sabem eles que a festa chega a todo o lado e se esgueira em todos os cantos? Quantos mais melhor, ou assim se diz. Diz que sim! E diz que urra! E diz que vai chover! E diz a esse que esteja calado, passa-lhe a alegria, que a noite é uma criança demasiado sóbria.
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Mariana Perry