sábado, 12 de abril de 2008

ressaca de tempestade miúda

Numa tarde de chuva fina, três mulheres viram-se apanhadas numa ventania que ameaçava trazer as nuvens por terra... com precisão e paciência. Passaram a rua onde os peões muitas vezes se esquecem de olhar para os faróis meio-acesos que vêm da esquerda. Apertando o lenço em torno da cara, que não entrasse o frio que nos apanhou a saltar uma poça, rindo para aquecer a amizade que as une. No meio de uma cidade que quase já nem é Lisboa, os prédios ganham novas asperezas, os contornos mais definidos pela falta de pó, as cores mais garridas pelo foco solar que apenas surge quando só algumas nuvens lhe dão passagem. Estamos à mercê dos elementos, à mercê dos semáforos, à mercê de regras que nos conhecem desde pequeninas e agora nos deixam molhar o cabelo e enregelar os pés. A estrada tornou-se irreconhecível porque em nada se distinguem os poucos metros que podemos alcançar de olhos semi-cerrados de todos os outros curtos metros de cimento e calçada de um outro e qualquer dia de chuva. Andamos de memória, porque confiamos que, entre as três alguém se lembrará de uma parte do caminho que as outras deixaram de distinguir. Contornando as esquinas invisíveis, demarcadas por fios grossos de tubagem presa ao betão e à relva, passa por nós gente mais apressada em não se molhar mais, correndo contra o vento e apanhando o espaço gelado de fronte. Risos cada vez mais curtos mantêm agrupados os passos tri-partidos. Na minha cara, um esgar de frio sobressai ao amor que tenho pelo vento, pelo ar que por mim passa sem levar o pouco calor que se esconde num lenço enrolado ao pescoço. Acho que fiquei mesmo com um pouco de vento na cabeça. Terei de o soltar. Ainda estou para descobrir como...
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Mariana Perry